Comunicação
A interpretação de onda de memória da mecânica quântica
Seminário Physikós de Filosofia da Física e da Cosmologia
Videoconferência
20 / 06 / 2024
Resumo:

Na célebre conferência de Solvay de 1927 foram propostas duas abordagens interpretativas dos fenómenos quânticos. Uma consolidou a linha de pensamento da Escola de Copenhaga, baseada no Princípio da Complementaridade de Niels Bohr e nas relações de incerteza de Heisenberg. A outra proposta substanciou-se na hipótese da dupla solução de Louis de Broglie, implicando a existência de um efeito de onda piloto que guiaria o corpúsculo ao longo de uma trajetória bem definida. Seria a visão de Bohr aquela que viria a prevalecer devido às implicações metafísicas das relações de Heisenberg, à superposição de estados e à efetividade da não- localidade nos fenómenos quânticos. De facto, estas características da fenomenologia quântica parecem refutar uma ontologia de onda piloto, a qual subentende uma dinâmica quadridimensional associada ao movimento dos corpúsculos. A Interpretação de Copenhaga, por outro lado, parece impor limites epistemológicos demasiado severos ao conhecimento humano, defendendo uma visão extremamente idealista do mundo, sem que seja dada qualquer relação causal entre o indeterminismo à escala quântica e o determinismo macroscópico.
Na última década assistiu-se ao desenvolvimento da área de investigação dedicada aos Análogos Quânticos Hidrodinâmicos (Hydrodynamic Quantum Analogs – HQA) [1]. Neste tipo de hidrodinâmica, uma gotícula de óleo lançada sobre um banho do mesmo material consegue, nas condições adequadas, gerar um campo ondulatório quasi-monocromático com o qual interage através de saltos sucessivos sobre ele. Daqui resulta que a trajetória da gotícula é determinada pelo campo à medida que este se propaga, sendo o mesmo alterado e reforçado de cada vez que a gotícula embate na superfície do óleo [2], definindo um caso hidrodinâmico de uma onda piloto. Várias experiências foram conduzidas com o intuito de criar modelos análogos a situações conhecidas da fenomenologia quântica, obtendo-se situações de quantificação e interferência alterando as trajetórias das gotículas. Uma característica marcante destes fenómenos quânticos hidrodinâmicos é a de que o campo ondulatório gerado pela gotícula codifica informação sobre a trajetória futura daquela [3]. Um sistema (a onda) que, atuando como uma memória, codifica informação sobre o comportamento de outro sistema (a gotícula) parece ser uma situação nova em Física, eventualmente extensível de forma analógica à fenomenologia quântica.
Sofisticando as propostas de Louis de Broglie, irei sugerir que uma onda quântica atua como uma memória nomológica codificando informação probabilística sobre o comportamento cinemático do corpúsculo. Em vista desta hipótese, abordarei duas objeções possíveis a esta proposta. Uma proveniente das relações de incerteza, que podem ser generalizadas usando onduletas de Morlet [4] e reinterpretadas como medidas do grau de ordem de um sistema quântico, ultrapassando essa objeção. A outra vinda da presença de não-localidade, que pode ser pensada como uma consequência de uma imposição necessitarista imposta pela existência de informação nomológica na onda sobre os sistemas quânticos em interação [5], tornando essa objeção irrelevante.

[1] Bush, J. W. M., Oza A. U., 2021, Hydrodynamic quantum analogs. Reports on Progress in Physics, IOP Publishing.
[2] Couder, Y., Protière, S., Fort, E. and Boudaoud, A. 2005 Walking and orbiting droplets, Nature 437 208
[3] Fort, E., Eddi, A., Boudaoud, A., Moukhtar, J. and Couder, Y. 2010 Path-memory induced quantization of classical orbits Proc. Natl Acad. Sci. USA 107 17515–20
[4] Croca, J.R., Towards a Nonlinear Quantum Physics, World Scientific, London, (2003).
[5] Castro, P., Bush, J. W. M., Croca, J. R. (editors) Advances in Pilot Wave Theory – From Experiments to Foundations, Boston Studies in the Philosophy and History of Science, forthcoming, 2023.

 


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